Bila, um (f)elizardo - Por Claudio Almeida clalm@elogica.com.br
No Domingo de Carnaval de 1979 fui pela primeira vez à casa do grande Edgard Moraes. Ele já falecido, mas vivo na minha memória. Eu o havia visto uma só vez, tocando violão, com o meu amigo Bila - genro dele (casado com Naná). Era um encontro familiar na casa de Dulce e Telmo (ambos cantores e ela irmã de Bila).
O convite histórico para ir a Campo Grande trouxe grandes momentos de emoção com os frevos-de-bloco do Mestre, autor da clássica Valores do Passado. A família o reverenciava ouvindo e cantando as suas músicas. Era um acerto de alma.
Esse ritual durou anos e fazia parte da espera da chegada do Bloco da Saudade - um sonho do compositor e concretizado graças a Marcelo Varella e ao grande violonista e arranjador Zoca Madureira, responsável pela orquestra.
A minha ligação com os frevos de bloco é de berço, pois o meu pai Osvaldo, clarinetista, saxofonista e trombonista, era um fã incondicional desse gênero. A primeira que ficou na minha memória ainda foi em Pesqueira - Evocação no. 1, de Nelson Ferreira. Lembro-me como se fosse hoje. Ele lendo a partitura e elogiando a melodia e a letra.
Como conterrâneos e ligados a mesma arte eu e Bila fizemos uma grande amizade logo que cheguei por aqui - mais de 10 anos depois dele.
De uma geração anterior à minha ele foi baterista da Natambijara - orquestra da Rádio Difusora de Pesqueira. Não o vi se apresentando. No entanto, sabia do seu talento nesse primeiro instrumento.
Mas, foi como cavaquinista, que Bila fez sua fama. Dono de um ouvido privilegiadíssimo e de uma simplicidade cativante, era respeitado e querido em todas as tribos.
Com ele, participei na TV Universitária como convidado de um programa semanal de músicas de seresta de Jaime Ubiratan. Mesmo me achando verde e com outras atividades profissionais sempre que possível fazia parte desse conjunto informal. E isso me fez aprender bastante. Estar ao lado de Tonhé, por exemplo, era um privilégio. Afinal ele também tocou com o meu pai e era um dos maiores violonistas de Pernambuco. Como se não bastasse, ainda faziam parte da linha de frente Marco Cesar (já despontando como um dos melhores bandolinistas do Brasil) e Bila (muito requisitado para encontros musicais). Nós quatro, além de tudo, nascidos em Pesqueira.
O Conjunto Pernambucano de Choro estava alicerçado com esse trio de ouro. Logo depois, veio a única componente: Valéria Moraes com sua flauta. Filha de Bila, neta de Edgard e, então, noiva de Marco Cesar. Os percussionistas Geraldo e Aloisio se uniram depois ao grupo. Por onde passou foi sucesso e até hoje é uma referência nacional.
Do Carnaval da casa de Edgard, além de tantas coisas boas que me inspiraram, uma merece destaque: em 1985, eu e Humberto Vieira compusemos Alegorias. Lembrei de Edgard e sugeri uma letra que fizesse uma grande homenagem ao Mestre e, consequentemente, ao Bloco da Saudade.
Sob a competente batuta de Marco Cesar e tendo Tonhé ao violão, Bila ao cavaquinho e as vozes das netas e filhas do grande compositor, surgiu o Coral Edgard Moraes como um desdobramento natural do Pernambucano de Choro. E está aí, atraindo multidões por onde se apresenta e com um excelente CD lançado.
No dia 19 de julho do ano passado, quando eu ia saindo para fazer uma apresentação, eis que tomo conhecimento da morte de Bila, através de Moacir, percussionista e filho dele. Ninguém imaginava que agora em 2011, a folia seria sem a presença física dele.
Era uma pessoa de espírito jovem e nunca o vi se lamentando ou falando de tristeza. Músico de rara sensibilidade, era também excelente como filho, irmão, pai, marido e amigo.
Portanto, agora é hora de relembrá-lo com alegria, música, risos, flabelos, frevos e cavaquinhos.
E por que (f)elizardo? Felizardo ele sempre foi, todos sabem. Em todos os campos. Pouca gente, no entanto, pronunciava o seu nome real: Elizardo.
E nem precisava.
» Claudio Almeida é compositor
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